A perseverança na oração

A perseverança na oração

32. Devemos rezar com perseverança.
É, pois, necessário que rezemos com humildade e confiança. Entretanto, isto só não basta para alcançarmos a perseverança final e, com ela, a salvação eterna. As graças particulares que pedimos a Deus, podemos obtê-las por meio de orações particulares. Mas, se não perseverarmos na oração, não conseguiremos a perseverança final, a qual compreende uma cadeia de graças e, por isso, supõe orações repetidas e continuadas até à morte. A graça da salvação não é uma só graça, mas uma corrente de graças, as quais vêm todas se unir à graça da perseverança final. Ora, essa corrente de graças deve, por assim dizer, corresponder à outra corrente de nossas orações. Se deixarmos de rezar, rompemos a corrente de nossas orações e, então, se romperá igualmente a corrente das graças, que nos hão de alcançar a salvação e, assim, não nos salvaremos.

33. Não podemos merecer a perseverança final.
É verdade que não podemos merecer a perseverança final, como ensina o santo Concílio de Trento: “Unicamente pode no-la dar Aquele que tem o poder de sustentar os que estão de pé, para que eles se conservem de pé até o fim”. Apesar disso, julga Santo Agostinho que podemos merecer de certo modo este grande dom da perseverança, por meio de nossas orações, isto é, por súplicas insistentes. E quem reza, ajunta Soares, consegue-a infalivelmente. Entretanto, para alcançar esta graça e conseguir a salvação eterna, são necessárias - diz Santo Tomás - orações perseverantes e contínuas. “Depois do batismo, é necessária ao homem a oração contínua para poder entrar no céu”. E antes dele, repetidas vezes, já o disse o Salvador: “É preciso rezar sempre e nunca descuidar” (Lc 18, 1). “Vigiai, portanto, orando em todo o tempo, para que sejais dignos de evitar todas estas coisas, que hão de acontecer, e de vos apresentardes com confiança diante do Filho do homem” (Lc 21 , 36). Já no Antigo Testamento lemos: “Nada te impeça de rezar sempre” (Eclo 18, 22). “Bendize a Deus em todo o tempo e pede-lhe que dirija os teus caminhos” (Tb 4, 26). Por isso aconselhava o Apóstolo aos seus discípulos que nunca deixassem de rezar: “Orai sem intermissão!” ( ITs 5, 17). “Perseverai e vigiai na oração!” (Cl 4, 2). “Quero pois, que os homens rezem em todo lugar” (1Tm 2, 8). O Senhor quer dar-nos a perseverança e a vida eterna, mas, diz São Nilo: “Não a quer dar senão a quem lhe pede com perseverança'”. Muitos pecadores chegam a se converter com o auxilio da graça e a receber o perdão. Mas porque deixam de rezar e de pedir a perseverança, tornam a cair e perdem tudo.

34. Deve-se pedir diariamente a graça da perseverança.
Não basta, diz Belarmino, pedir a graça da perseverança uma vez só, ou mesmo algumas vezes. Devemos pedi-la sempre, todos os dias, até a morte, se quisermos alcançá-la. Quando a pedirmos, alcançaremos. No dia em que a pedirmos, Deus no-la concederá. Mas no outro dia em que deixarmos de pedi-la, cairemos em pecado. Isto é o que Nosso Senhor queria nos ensinar, propondo a parábola do amigo, que não queria dar os pães ao que lhe pedia, senão depois de muitos e importunos rogos: “Se ele não se levantar para dar-lhe os pães, por ser amigo, pelo menos vai se levantar, por causa da amolação, e vai dar tudo o que o amigo precisa” (Lc l l , 8). Ora, diz Santo Agostinho, se este homem levanta-se e dá-lhe os pães, para não ser importunado, quanto mais Nosso Senhor nos atenderá, sendo Ele que nos exorta a pedir e se desgosta, quando não pedimos! O Senhor quer conceder-nos a salvação e todas as graças necessárias para consegui-la. Mas Ele quer que o importunemos com nossas orações. Diz Cornélio a Lápide, sobre o mencionado texto do Evangelho: “Deus quer que perseveremos na oração até a importunação. Os homens deste mundo não suportam importunos. Mas Deus não só nos suporta, mas quer que sejamos importunos, mormente em pedir lhe a graça da perseverança”. São Gregório diz que Deus quer que Lhe façamos violência com as nossas orações, pois tal violência não o irrita, mas o aplaca.

35. Rezemos sempre!
Para alcançarmos, pois, a graça da perseverança é mister recomendarmo-nos sempre a Deus, de manhã à noite, na meditação, na Missa, na comunhão, em uma palavra: sempre, especialmente, porém, no tempo das tentações. Então, devemos dizer e repetir sempre: Senhor, ajudaime! Senhor, assisti-me, protegei-me! Senhor, não me abandoneis; tende piedade de mim! Pode haver coisa mais fácil do que dizer: Senhor, ajudaime, assisti-me!? Sobre as palavras do Salmista: “Dentro de mim orarei ao Deus de minha vida”, diz a glosa: “Dirá alguém: não posso jejuar, não posso dar esmolas; mas não poderá dizer: eu não posso rezar, pois é a coisa mais fácil que há”. Contudo, não devemos cessar de rezar. É preciso que continuamente façamos, por assim dizer, violência a Deus, para que Ele sempre nos auxilie com a sua graça. “Esta violência é agradável a Deus”, escreveu Tertuliano. São Jerônimo diz: “Quanto mais forem importunas e perseverantes as nossas orações, tanto mais agradável serão a Deus”. "Bem-aventurado o homem que ouve e que vela diariamente à entrada da minha casa” (Pr 8, 34). Bem-aventurado, diz Nosso Senhor, é aquele homem que ouve e continuamente vela às portas da minha misericórdia com as suas orações. Isaías diz: “Bem-aventurados todos os que o esperam” ( 30, 18). Bem-aventurados aqueles que até ao fim, pedindo e rezando, aguardam do Senhor a sua salvação. Por isso, no Evangelho, Nosso Senhor nos exorta a pedir, mas de que maneira? “Pedi e recebereis; buscai e achareis: batei e abrir-se-vos-á” (Lc 11, 9). Bastava dizer: “Pedi”. Para que acrescentar: “buscai”, “batei”? Mas, não. Não foi supérfluo acrescentar estas palavras. Com isto, queria Jesus ensinar-nos que devemos fazer como fazem os pobres, quando vão pedir esmolas. Esses, quando não recebem a esmola pedida, pedem uma e mais vezes, batem repetidas vezes à porta, quando não vem logo alguém atendê-los e, por fim, se tornam molestos e importunos. Deus quer que façamos assim também. Quer que supliquemos e tomemos a suplicar e não cessemos de suplicar que nos assista, nos socorra, nos ilumine, nos fortaleça e não permita que venhamos ainda a perder a sua graça. Diz o douto Léssio que dificilmente pode-se desculpar de pecado mortal aquele que, em estado de pecado ou em perigo de morte, não reza. Do mesmo modo, peca quem deixa de rezar por um notável espaço de tempo, isto é, por um ou dois meses. Isto se deve entender fora do tempo da tentação, porquanto quem for assaltado por qualquer tentação grave e não recorrer a Deus logo, sem dúvida, peca gravemente, expondo-se desta forma a um perigo próximo e certo de cair.

37. Por que Deus não concede a graça da perseverança de uma só vez?
Já que Deus pode e quer dar-me a graça da perseverança, por que não me concede toda de uma só vez, quando lhe peço? São muitas as razões que nos dão os santos Padres. Deus não a concede de uma vez e difere a sua concessão, para, antes de tudo, experimentar a nossa confiança. Depois, diz Santo Agostinho, para que a desejemos mais ardentemente: “Os grandes dons exigem um grande desejo, porquanto tudo o que se alcança com facilidade não se estima tanto como o que se desejou por muito tempo. Deus não quer dar-te logo o que pedes, para aprenderes a desejar com grande desejo”. Outro motivo é para nós não nos esquecermos dele. Se já estivéssemos seguros de perseverarmos e de alcançarmos a salvação e não necessitássemos continuamente do auxílio de Deus para conservarmos sua graça e nos salvarmos, facilmente nos esqueceríamos dele. A necessidade obriga os pobres a frequentas as casas dos ricos. Por esta razão, querendo Deus atrair-nos a si, como diz São João Crisóstomo, e ver-nos muitas vezes a seus pés, a fim de nos conceder maiores benefícios, deixa de nos conceder a graça, que completa a nossa salvação, até a hora de nossa morte. “Deus demora em atender-nos, não por repelir as nossas orações, mas para nos tornar mais fervorosos e nos atrair para Si”. Além disso, Deus age deste modo para que nós, rezando sempre, nos unamos mais estreitamente a Ele pelos doces laços do amor. “A oração, diz São João Crisóstomo, não é um vínculo insignificante do amor de Deus. É ela que nos acostuma a falar com Deus”. Que incentivo e que vinculo de amor são o recurso contínuo a Deus pela oração e a confiança com que esperamos as graças! Quanto nos inflama e une a Deus!

38. Até quando devemos rezar?
Devemos rezar sempre, responde o mesmo Santo, até que nos seja proferida a sentença tão auspiciosa da salvação eterna, isto é, até a hora de nossa morte. “Não desistas até receberes”. E ajunta que quem disser: “Não deixarei de rezar até que me salve”, certamente se salvará. Escreve o Apóstolo: “Muitos correm no estádio em busca do prêmio, mas unicamente um o alcança, não sabeis disto? Correi para alcançá-lo” (1Cor 9, 24). Não basta, pois, pedir a graça da salvação. É necessário pedir sempre, até alcançarmos a coroa prometida por Deus unicamente aos que a pedirem constantemente até o fim.

39. Para se alcançar a salvação, é necessário rezar sempre.
Devemos fazer como Davi, que tinha os seus filhos constantemente voltados para Deus a fim de implorar o seu socorro e para não ser vencido por seus inimigos: “Os meus olhos se volvem continuamente para Deus, porquanto Ele afastará os meus pés do laço” (Sl 24, 15). Assim como o demônio não descansa, armando-nos contínuas ciladas para nos devorar, como nos escreve São Pedro: “O demônio, adversário vosso, anda rodeandovos, como um leão que ruge, buscando sua presa” (lPd 5, 8), do mesmo modo, nós, para sermos protegidos contra tal inimigo, nunca devemos depor as armas, mas devemos dizer com o real Profeta: “Perseguirei os meus inimigos e não voltarei atrás, enquanto não derrubá-los por terra” (Sl 17, 4). Não cessarei de combater até que veja meus inimigos destroçados. Mas como poderemos alcançar esta vitória, para nós tão difícil? Por meio de constantes orações, responde-nos Santo Agostinho, e só com orações perseverantes. E até quando? Durante todo o tempo de combate. “Assim como nunca cessa a luta, diz São Boaventura, assim também nunca devemos deixar de pedir a misericórdia divina, para não sermos vencidos”. Ai daquele que, durante o combate, abandonar a oração, diz o Sábio, “ai dos que não perseveram na oração!” (Eclo 2, 16). Chegaremos à salvação, diz o Apóstolo, mas com esta condição: contanto que sejamos fiéis e perseverantes na oração, até a morte.

40. Quem nos separará do amor do Cristo?
Confiados, pois, na divina misericórdia e em suas promessas, digamos com São Paulo: “Quem nos separará do amor de Cristo? Será a tribulação? ou a angústia?... ou o perigo? ou a perseguição? ou a espada?” (Rm 8, 35). Quem nos separará do amor de Cristo? Talvez a tribulação? o perigo de perder os bens desta terra, as perseguições dos demônios ou dos homens? os tormentos dos tiranos? “Superaremos tudo por Aquele que nos ama” (Rm 8, 37). Não, dizia ele, nenhuma tribulação, nenhuma angústia, perigo ou perseguição jamais nos poderá separar do amor de Jesus Cristo. Porque, com o auxilio divino, venceremos tudo, pois combateremos por aquele Senhor, que deu a vida por nós. Depois de ter o Padre Hipólito Durazzo resolvido renunciar uma prelazia romana, a fim de entregar-se todo a Deus, e entrar na Companhia de Jesus, como o fez mais tarde, receava muito, por causa de sua fraqueza, não ser fiel a Nosso Senhor. Por isso, dizia: “Não me desampareis. Senhor, mormente agora que me consagrei todo a vós'”. Mas, ouviu o Senhor falarlhe ao coração: “Não me abandones tu também!” Confiado na bondade de Deus, e no seu auxílio, concluiu o servo de Deus dizendo: “Pois bem, meu Deus, Vós não me abandonareis a mim e eu não abandonarei a Vós”.

41. "Seremos salvos pela esperança".
Se quisermos, pois, que Deus não nos abandone, devemos pedir-lhe sempre que nos auxilie. Fazendo assim, certamente Ele nos assistirá sempre e não permitirá que nos separemos dele e que percamos a sua amizade. Procuraremos, por isso, rezar sempre e pedir a graça da perseverança final, bem como as graças para consegui-la. Não nos esqueçamos também da graça de rezarmos sempre. Foi esta a grande promessa, que fez pelos lábios do Profeta: “Derramarei sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém o espírito da graça e da prece” (Zc 12, 10). Oh! que grande graça é o espírito das preces, isto é, a graça que Deus concede a uma alma de rezar sempre! Não cessemos, pois, de pedir a Deus esta graça e este espírito de oração. Porquanto, se pedirmos, certamente obteremos de Nosso Senhor a perseverança e todo e qualquer outro dom que desejarmos. Deus não pode deixar de nos ouvir, porque prometeu ouvir-nos. “Seremos salvos pela esperança”. Por causa desta esperança de rezar sempre, podemos julgar-nos salvos. Esta esperança, diz Beda, o Venerável, nos dará entrada segura na cidade eterna do paraíso.


(O grande meio da oração – Santo Afonso Maria de Ligório)

Voltar