Esta devoção consiste, portanto, em entregar se inteiramente à Santíssima Virgem, a fim de, por ela, pertencer inteiramente a Jesus Cristo. É preciso dar lhe:

1º nosso corpo com todos os seus membros e sentidos,
2º nossa alma com todas as suas potências,
3º nossos bens exteriores, que chamamos de fortuna, presentes e futuros,
4º nossos bens interiores e espirituais, que são nossos méritos, nossas virtudes e nossas boas obras passadas, presentes e futuras.

Numa palavra, tudo que temos na ordem da natureza e na ordem da graça, e tudo que, no porvir, poderemos ter na ordem da natureza, da graça e da glória, e isto sem nenhuma reserva, sem a reserva sequer de um real, de um cabelo, da menor boa ação, para toda a eternidade, sem pretender nem esperar a mínima recompensa de sua oferenda e de seu serviço, a não ser a honra de pertencer a Jesus Cristo por ela e nela, mesmo que esta amável Senhora não fosse, como é sempre, a mais liberal e reconhecida das criaturas.

Importa notar, aqui, duas coisas que há nas. boas. obras que fazemos, a saber: a satisfação e o mérito, ou o valor satisfatório ou impetratório e o valor meritório. O valor satisfatório ou impetratório duma boa obra é uma boa ação na medida em que satisfaz a pena devida pelo pecado, ou em que obtém alguma nova graça; o valor meritório ou o mérito é uma boa ação, em quanto merece a graça e a glória eterna. Ora, nesta consagração de nós mesmos à Santíssima Virgem, nós lhe damos todo o valor satisfatório, impetratório e meritório, ou, por outra, as satisfações e os méritos de todas as nossas boas obras: damos lhe nossos méritos, nossas graças e nossas virtudes, não para comunicá los a outrem (porque nossos méritos, graças e virtudes, propriamente falando, são incomunicáveis; só Jesus Cristo, fazendo se nosso penhor diante de seu Pai, pôde comunicar nos seus méritos), mas para no los conservar, aumentar e encarecer, como diremos ainda. (V. nn. 146, ss). Damos lhe nossas satisfações para que ela as comunique a quem bem lhe pareça e para maior glória de Deus.

* * *

Daí segue:

1º que, por esta devoção, damos a Jesus Cristo, do modo mais perfeito, pois que o fazemos pelas mãos de Maria, tudo que lhe podemos dar, e muito mais que por outras devoções, pelas quais lhe damos uma parte de nosso tempo ou de nossas boas obras, ou uma parte de nossas satisfações e mortificações. Aqui damos e consagramos tudo, até o direito de dispor dos bens interiores, e as satisfações que ganhamos por nossas boas obras, dia a dia: e isto não se faz nem mesmo numa ordem religiosa. Nestas, consagram se a Deus os bens de fortuna pelo voto de pobreza, os bens do corpo pelo voto de castidade, a vontade própria pelo voto de obediência, e, às vezes, a liberdade do corpo pelo voto de clausura. Não se lhe dá, porém, a liberdade ou o direito que temos de dispor de nossas boas obras, nem se renuncia tanto como se pode ao que o cristão tem de mais precioso e caro: seus méritos e satisfações.

2º Uma pessoa, que assim voluntariamente se consagrou e sacrificou a Jesus Cristo por Maria, já não pode dispor do valor de nenhuma de suas boas ações. Tudo que sofre, tudo que pensa, diz e faz de bem pertence a Maria, para que ela de tudo disponha conforme a vontade e para maior glória de seu Filho, sem que entretanto, esta dependência prejudique de modo algum as obrigações de estado no qual esteja presentemente, ou venha a estar no futuro: por exemplo, as obrigações de um sacerdote que, por dever de ofício ou por outro motivo, deve aplicar o valor satisfatório e impetratório da santa missa a um particular; pois não se faz esta oferta a não ser conforme a ordem de Deus e os deveres de estado.

3º A consagração é feita conjuntamente à Santíssima Virgem e a Jesus Cristo; à Santíssima Virgem como ao meio perfeito que Jesus Cristo escolheu para se unir a nós e nós a ele; e a Nosso Senhor como o nosso fim último, ao qual devemos tudo o que somos, como a nosso Redentor e nosso Deus.

Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem

São Luis Maria Grignon de Montfort
Editora Retornarei Ltda.
2ª edição – 2016

 

Coordenação: João Sérgio Guimarães

Escreva um comentário